SAIBA MAIS SOBRE O LIVROUm dado comum às diferentes modalidades de arte contemporânea é que a
forma de cada obra não mais se constitui de elementos homogêneos, mas, sim, por uma estrutura que resulta de fusões, sobreposições, cortes e colagens: em resumo, a forma agora é obtida por meio de processos de
montagem. A música popular é integrante desta “era da obra de arte montável”, e este livro proporciona ferramentas para apreciá-la e estudá-la nesta nova circunstância. Reavaliando a terminologia tradicional e propondo novas distinções – como entre
palavra cantada,
canção e
música popular cantada –, Sergio Molina se aproxima do fonograma (a unidade básica da criação musical) para constatar que o seu modo de composição é caracteristicamente coletivo, que a sua complexidade interna é cada vez mais apurada com recursos tecnológicos como a gravação multicanal e que o seu destino é integrar, como uma faixa, um complexo ainda maior: o álbum, que se torna a linguagem própria aos discursos musicais longos e é estruturado, assim como cada fonograma, por montagens. Tais mudanças na estruturação acompanham mudanças na composição propriamente dita. Por exemplo, na música popular das Américas, a acentuação silábica das palavras propõe uma terceira via rítmica, para além das referências das claves assimétricas da música africana e da regularidade dos compassos da música europeia; de um modo geral, as interações rítmicas é que servem de fio condutor subjacente às sonoridades de cada faixa. O fato é que foi na década de 1960 que a música começou a forjar esses novos padrões, mais precisamente no ano 1967 – portanto há exatamente meio século: com o lançamento do LP dos Beatles
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.
Desde então, essa música, que havia surgido no início do século XX nas comunidades “populares”, tornou-se o foco de interesse tanto de quem cria como de quem escuta. Em lugar da música de notas o que temos é uma música de sons. Seja a faixa, seja o disco abrigam contrastes, constroem simultaneidades. No mesmo fonograma coabitam um gênero musical principal e outros diversos gêneros paralelos, e a audição se transforma em uma experiência de perceber
acontecimentos musicais concomitantes. Não é mais somente o enlace de música, letra e levada – que constituem a canção – o que importa, mas a sonoridade resultante dos
momentos construídos. Ainda que determinados processos e formas comportem-se semelhantemente, aqui, a como se dão na música clássica, as ferramentas tradicionais de análise – como harmônica, melódica e rítmica – costumam ser ineficientes quando aplicadas à música popular contemporânea. Talvez por esta razão, ela tem sido objeto de estudo acadêmico de áreas das humanidades como a Sociologia, as Letras, a Comunicação, a Semiótica e a História, mas muito raramente pela própria Música. Este livro, originalmente concebido como tese de doutorado em Música pela Universidade de São Paulo (e vencedor do Prêmio Tese Destaque USP de 2015 e do Prêmio Funarte de Produção Crítica em Música de 2016), vem preencher esta lacuna, com uma abordagem fundamentada na sonologia, na teoria e análise musical e na musicologia.
Música de Montagem oferece uma grande quantidade de exemplos retirados da música popular nacional e estrangeira, analisando espectrogramas, imagens de amplitudes sonoras e partituras de faixas como “Expresso 2222”, de Gilberto Gil, “Superstition”, de Stevie Wonder, “Crystalline”, de Björk, “Bring on the night”, de Sting, e “Helter skelter”, dos Beatles. Coerentemente com a tese de que a montagem musical alcança a sua completa realização na composição de um álbum, o livro se encerra aplicando os princípios nele desenvolvidos à análise do disco Minas, de Milton Nascimento. A leitura será enormemente enriquecida se cada uma das faixas for de fato escutada antes de se proceder ao comentário. Diversas referências teóricas também são cruzadas no desenvolvimento do argumento, passando por Didier Guigue, Simha Arom, Godfried Toussaint, Mikhail Bakhtin, entre outros. A linguagem do livro se mantém, na maior parte do tempo, acessível, e as seções de caráter mais técnico (especialmente o capítulo IV) são formuladas de modo a poderem ser puladas sem prejuízo para o leitor não especializado. Desta maneira, tanto o músico profissional e o estudante, professor ou pesquisador de música como o leigo admirador dessa forma de arte encontrarão aqui recursos para entender o fascínio que é despertado em todos nós pela música popular cantada.
Curiosidades:
- A obra, originalmente defendida como tese de doutorado em Música na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA–USP), recebeu o Prêmio Tese Destaque USP em 2015 e o Prêmio Funarte Produção Crítica em Música em 2016.
- O livro consiste em uma análise técnica sofisticada dos modos de composição predominantes na música popular contemporânea, conjugando assim profundidade teórica e ampla pertinência – despertando interesse não apenas dos especialistas, mas também do público geral.
- A edição conta com um texto de apresentação escrito por um dos grandes ícones da música independente brasileira, Arrigo Barnabé, e com um prefácio assinado por um dos maiores críticos musicais do país, Zuza Homem de Mello.
- Sergio Molina analisa exemplos concretos da música popular contemporânea, permitindo ao leitor observar a aplicação das categorias teóricas propostas durante o livro a canções e álbuns que todos certamente já ouviram e possivelmente apreciam.
- Esses exemplos que servem de material à análise cobrem uma ampla gama de gêneros, contemplando artistas como Milton Nascimento, Gilberto Gil, The Beatles, Stevie Wonder, Björk e Sting.
- A exposição feita pelo autor é extremamente didática, valendo-se de inúmeros diagramas, tabelas e partituras.
- Música de Montagem incentiva, ainda, uma experiência multissensorial para o leitor, ao recomendar e favorecer que suas análises sejam lidas enquanto se ouvem as canções que são objetos de estudo.
- Sergio Molina está entre os mais capacitados e versáteis compositores e professores de música atualmente em atividade no Brasil.